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quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Primeiro encontro, Clarice


Não consigo lembrar quando exatamente, mas não faz tanto tempo quanto gostaria. Não sei quando ela chegou ou quando ouvi alguém citar o seu nome pela primeira vez, talvez em uma daquelas aulas de literatura do colégio, talvez em uma dessas conversas soltas em que se fala sobre o tudo, sobre o nada... 

“Por não estarem distraídos” foram as primeiras palavras que chegaram. Estavam dispersas em um blog de um amigo, um encontro ao acaso depois de tantas sugestões e tentativas.  Ela foi chegando, aos poucos...

Se já não vejo a pessoa que involuntariamente lhe apresentou, tenho encontros diários com as páginas dos seus livros, alguns recém-adquiridos em sebo. Livros que trazem além de tudo os sentimentos de outras pessoas impressos no manuseio das páginas, o bom estado não omite a paixão que se guarda ali. 

Posso imaginar quantos sorrisos, quantos olhares passaram por essas páginas, posso imaginar quantas pessoas apaixonaram-se, em quantas pessoas ela deixou essas marcas, essas mesmas marcas que devem me acompanhar por muito muito tempo, porque nenhum tempo é suficiente para tirá-la de mim. 

O sussurro ao ouvido de quem tenta lhe compreender.  Os encontros solitários. Consigo sentir uma força e uma fragilidade incríveis. Seria muito dizer o quanto me sinto próxima. Seria excesso. Assim como eu, tantas outras pessoas devem guardar seus livros como diários, como reflexos. Quando o amor surge dessa forma, quando a admiração atinge esse ápice já não se pode viver sem (pelo menos nesse sentido). 

E a esse amigo que me trouxe à memória tudo isso, esse que me fez demarcar tão precisamente nosso primeiro encontro... Deixo agradecimentos livres por aqui.  


Por não estarem distraídos (Clarice Lispector)

Havia a levíssima embriaguez de andarem juntos, a alegria como quando se sente a garganta um pouco seca e se vê que por admiração se estava de boca entreaberta: eles respiravam de antemão o ar que estava à frente, e ter esta sede era a própria água deles. Andavam por ruas e ruas falando e rindo, falavam e riam para dar matéria e peso à levíssima embriaguez que era a alegria da sede deles. Por causa de carros e pessoas, às vezes eles se tocavam, e ao toque — a sede é a graça, mas as águas são uma beleza de escuras — e ao toque brilhava o brilho da água deles, a boca ficando um pouco mais seca de admiração. Como eles admiravam estarem juntos!

Até que tudo se transformou em não. Tudo se transformou em não quando eles quiseram essa mesma alegria deles. Então a grande dança dos erros. O cerimonial das palavras desacertadas. Ele procurava e não via, ela não via que ele não vira, ela que estava ali, no entanto. No entanto ele que estava ali. Tudo errou, e havia a grande poeira das ruas, e quanto mais erravam, mais com aspereza queriam, sem um sorriso. Tudo só porque tinham prestado atenção, só porque não estavam bastante distraídos. Só porque, de súbito exigentes e duros, quiseram ter o que já tinham. Tudo porque quiseram dar um nome; porque quiseram ser, eles que eram. Foram então aprender que, não se estando distraído, o telefone não toca, e é preciso sair de casa para que a carta chegue, e quando o telefone finalmente toca, o deserto da espera já cortou os fios. Tudo, tudo por não estarem mais distraídos.

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