Páginas

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Entre Semelhanças



Ela é a primeira, ele é o segundo. E a ordem se desenvolve... Confunde-se. Mas não importa... Porque cada palavra cabe nas duas bocas. Serve para os dois. Como se fossem parte de uma coisa só. Como se descobrissem um ao outro quando descobrem a si mesmos...

- Não achei que fosse existir alguém. 

- É, nem eu.

- Já tinha aceitado a difícil ideia de envelhecer e encarar a vida e a morte sozinha...

- De alguma forma isso vai acontecer...

- De alguma forma. Antes seria de todas as formas. Hoje eu tenho uma parte de você guardada em mim. Ainda que não esteja perto, eu nunca fico realmente sozinha.

- Não sei como aconteceu...

- Acho que não precisamos saber como ou porque, basta aceitar de braços abertos o que aconteceu...

- Ainda assim... É como se tivéssemos juntado nossas bolhas, como se tivéssemos encontrado um ao outro nesse espaço compartilhado, que se opõe ao resto do mundo.

- É verdade. Não é à toa... Os olhos estranhos do mundo não conseguem nos compreender.

- Nem poderiam.

- São todos concentrados e apressados demais para encarar as palavras que os cercam.

- Não entendo como alguém é capaz de viver sem um mínimo de poesia.

- Também não entendo. É como se fossem cegos até pro que acontece ao redor. Não precisam abrir livros, como nós, mas são ainda incapazes de sequer olhar para a própria vida. Nem a inspiração, a matéria-prima conseguem encontrar.

- Não conseguiria viver com um deles.

- Não conseguiria viver com uma delas.

- Você acredita que algumas pessoas foram feitas para outras? Que estávamos nos procurando até agora, esse momento em que esbarramos nas palavras um do outro?

- Não sei se seria necessário acreditar nisso, mas admitir o amor que surgiu. Não é com qualquer pessoa que podemos compartilhar o espaço que escolhemos pôr ao nosso redor.

- Você se protege do mundo, eu também. Ficamos bem juntos.

- Não acho que seja proteção. Só esperamos que a pessoa certa esbarre e fure esse cerco. Aconteceu. Alguma coisa nos trouxe liberdade e não sei se ela teria a mesma força se pudesse explicar com palavras o que aconteceu.

- Não poderíamos. A nossa poesia está na tentativa, na possibilidade de outras histórias completarem as nossas frases. Afinal, não somos os únicos que se encontraram no espaço aleatório... No tempo aleatório...

- Alguém mais deve ter vivido uma vida como a nossa. Talvez já a tenhamos vivido, afinal.

- Talvez, seria coincidência demais acreditar que viemos ao mundo pela primeira vez e prontos um para o outro.

- Acho que passamos várias vidas nos preparando para isso.

- Também acho.

- Só agora, só nessa vida, consigo olhar sobre os seus ombros e adivinhar pelos seus olhos que palavras o emocionaram, e como o emocionaram.

- Só agora consigo me deixar entreter pelo seu olhar curioso que me observa em meio à distração.

- Olhamos para o livro do outro.

- Lemos nossas histórias, alguém deve, afinal, ter-se inspirado em nós.

- Em algum momento nossos olhos fogem dos livros.

- Eu posso encontrar toda a história dentro de você.

- Eu posso vivê-la com você.

Enquanto duram as páginas dos livros em suas mãos, eles são como almas gêmeas. Foi por partilharem exatamente esse momento, esse, nenhum outro, que descobriram que podiam se amar. Já era tarde quando pensaram em mudar isso e partir para outros gêneros. A partir daquele dia, no momento em que as folhas dispersavam, ou que os olhos precisavam de descanso, bastava olhar para o lado. Um olhava, depois o outro. Assim permaneciam noites e dias inteiros, enfrentando o passar do tempo somente porque sabiam que o outro estaria ali. Mais tarde deixavam as páginas descansarem sobre a mesa, deixavam as mãos descasarem juntas, deixavam a respiração ser contagiada pela proximidade. Concentravam-se para encarnar seus personagens. Eram das letras os dois. Por seus olhos e por suas palavras inspiravam-se, amavam-se e viviam. Por isso sabiam que nada encerra tão bruscamente. Por isso sabiam que naquele momento, por estarem juntos, já estavam presos na eternidade. 

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Caixas separadas

Realmente não sei como, mas o texto abaixo começou por uma alguma coisa que pensei sobre essa imagem.



Já faz algum tempo que deixei de acreditar que todas as manifestações de carinho, preocupação, etc. etc., são gratuitas. Então, melhor afastar esses pés e essas mãos de mim e parar de fingir que esses presentes não escondem um grave interesse por trás ou, até mesmo, dentro deles.  Não pedi pra me ensinarem a desconfiar das pessoas. Mas tudo parece tão natural que quase chego a acreditar que o grande sentido de ter vindo pra esse mundo é para ser a válvula de escape temporária de alguém, ou o saco de pancadas, daqueles de boxe mesmo, ou qualquer uma dessas coisas que só servem para a satisfação garantida de outra pessoa. 

Pedem para darmos uma chance à vida, para deixarmos as pessoas mostrarem que podem mudar, que podem ser boas, gentis, altruístas, e várias outras coisas que alguém disse que são boas. Caí nessa uma quantidade incontável de vezes... Sempre caio. 

Tem uma parte dentro de mim que, tenho certeza, só existe para forçar e aumentar as doses de sofrimento em cada um dos acontecimentos da vida.  Aquela parte que quase me impede de acreditar que podia ser pior, até que finalmente acontece, e fica pior. Tem alguma coisa  que, tenho certeza, foi feita, nasceu, sei lá, só para me sabotar. Deve ter um cúmplice por aí que ajuda a alimentá-la... Naqueles momentos vulneráveis sempre chega alguém e inferniza a sua cabeça com aquelas terapias de horoscopo, revistas de autoajuda (pior que livros de autoajuda), enfim, uma pessoa formada nas incompetências e inutilidades da vida... Sempre aparece uma dessas que fica martelando a sua cabeça e falando para você reavaliar as coisas, esquecer, perdoar, dar chance às pessoas, etc. etc. etc. 

No fundo (ainda que não saiba exatamente onde e como) você sabe que essas coisas só vão ajudar a atrapalhar ainda mais você (e foder ainda mais você, não cabe outro termo aqui – aiai falando quase consegue ser poético). Quem manda ouvir? Quem manda acreditar? Quem manda ser incomparavelmente dependente desse amor das pessoas? Quem manda ser essa idiota carente que abre a vida para dar chance a tudo e a todos? 

Enfim. Sei o que vai acontecer. Ele vai chegar de leve, chegando já na vulnerabilidade que sabe que você tem, vai encostando o braço, vai sentindo a mão, falando coisas que sabe que você quer ouvir ainda que ele, justamente ele, não tenha de fato pensado no significado delas. 

Daqueles textos decorados de um livro qualquer (agora sim, um desses livros de autoajuda) que melhoram a vida de uma e estragam a vida de outra pessoa. Porque, afinal, só quem os lê merece estar naquele topo. Passos pro sucesso, emagrecimento, felicidade... Para você leitor, você que comprou o livro na banca da esquina e, ao invés de ir viver a vida e aprender com ela, acha que a felicidade se compra ou se conquista por regras de outras pessoas... Sério? Alguém acredita nisso? Há quem finja. 

Em alguns momentos até você. 

Finge que confundiu uma lição com outra, finge que ela não foi clara o suficiente. E vai se deixando cair, mais uma vez, na mesma conversa. Naquela que quanto mais irrita mais teima em se repetir. Afinal, nunca há uma altura o suficiente de onde possa se jogar nessas novas e traumáticas experiências. Elas servem pra alguma coisa afinal, me construíram delicadamente durante todos esses anos. Talvez haja algum tipo de imã que atraia isso. O estranho é justamente você adquiri-lo. E por mais que tente não conseguir se livrar.

O fim. Está lá. De mãos atadas àquela situação. O corpo amolece. Deixa o outro chegar. Sabe que deve durar uma semana, talvez um pouco mais... Mas insiste naquele “quem sabe”? Esse pode ser diferente. Todos eles podem ser. Daqui a alguns dias vai ocupar mais o tempo de uma dessas terapeutas ou mais páginas daquele seu bloco com páginas amareladas (que quase não lhe suportam mais). 

A realidade, enfim, bate à porta. Um dia chega. Enquanto quiser sustentar relações e historias e pessoas pelo lema de felicidade eterna..., não vai chegar nem ao seu estágio mais temporário. Melhor ir vivendo e depois, com o passado já guardado em estranhas páginas, folhas, gravações, telas, músicas..., aí sim pode parar e pensar nele. Sem a melancolia (andei lendo em um desses perfis em que citam alguém) não há palavra que se sustente. Não era bem isso... Mas é esse o sentido que cabe pra mim. 

Vamos guardar nossos balões, nossas vidas, em caixas separadas. É o melhor a fazer.
A fotografia paralisa, mostra o casal meio perto... Meio longe... Sentados em um banco lado a lado. Não posso afirmar, mas posso supor, eles despediam-se... A imagem eterniza a lembrança, a memória dela, mas não é capaz de sustentar sua história. As coisas encerram. É o natural. Ponto. 

Isso não nos impede de continuar felizes.  Se pudéssemos continuar indo atrás deles, veríamos que é com um sorriso que se afastam. O importante dali já foi vivido e lembrado o suficiente. As despedidas cristalizam algumas historias. De certa forma, é como se tornassem suas felicidades eternas. 

Há quem suporte a lembrança...

E há quem viva de tentar apagá-la...

terça-feira, 25 de outubro de 2011


Me sinto dentro de uma historia da qual não faço parte. Como se tivesse surgido nesse corpo tarde demais. Não há nostalgia nisso, não me refiro só a épocas. Me refiro ao lugar, às pessoas. Não as conheço tão bem quanto imaginava, e elas não conhecem sequer um por cento de mim. Devem existir todas as palavras aqui. Eu devo ter todas as qualidades e todos os defeitos possíveis. Isso alimenta uma instabilidade com a qual ninguém consegue conviver por muito tempo, nem eu.

quarta-feira, 19 de outubro de 2011


Podem até me perguntar: “O que esperava?”, “Que sentido faz?”. Posso ter exagerado a dose mais uma vez. Falei do tempo, das pessoas, da falta, das lembranças. Abri o coração, abri o corpo. Deixei a madrugada guiar além de mim mesma. Deixei à flor da pele, mais uma vez, as frases mal formuladas, as frustrações que precisava descarregar. O lugar do arrependimento é só por ter sido, mais uma vez, a pessoa que não quero ser, que evito ser, que recuso, a pessoa da qual me defendo diariamente. Fica claro. Talvez esteja aprendendo a aceitar o que os sinais indicam, não tenho que ficar inventando justificativas para outras pessoas. A distância tem que deixar de te incomodar. Você fala esperando retorno, achou que aquela pessoa te conhecesse o suficiente. Esperava que perguntasse se estava bem, se precisava conversar, desejava uma intimação que a tivesse feito voltar para casa. O telefone ficou mudo. Você continuou com ele no ouvido como se esperasse que a ligação ressuscitasse. Jogou as esperanças, as fichas, pediu um cuidado que não pode ter. Quando começou a falar foi interrompida: Desculpa, tenho que desligar. Não imagina. Não poderia. É quando está no fundo do poço que continua em silêncio. Achou que tivesse aprendido, passado da etapa de transição, crescido, amadurecido um pouco mais, achou que a vida pudesse ser encarada de frente todos os dias. Não sabe o que acontece. “Tudo bem, desculpa incomodar”. Fala isso e sei lá que sentimentos tem que gritam por dentro. Como se pedisse ajuda, como se estivesse prestes a pular de um prédio achando que a sensação de voo pudesse valer por tudo. Pede por segundos de uma vida. Arremessa. Apoia-se, todo o corpo naquela mesa, naquele canto, naquele livro. Alguma coisa que a impeça, que lhe deixe quieta. Que lhe deixe calma. Não pôde. Amanhece com o olhar turvo, a cabeça doendo, a maquiagem manchada, o lençol molhado por um liquido salgado. Essa noite nem ao mesmo foi capaz de sonhar. A não ser que as imagens dispersas, sem ordem lógica que lhe vêm à memória, façam parte de um sonho. Bem que queria. É inevitável. O sonho você não pode gerir, dele você não pode se arrepender, por ele ninguém vai lhe olhar diferente. Afinal, quem é capaz de controlar? Nele você encontra a si mesma. Nele o voo não pode machucar.

sexta-feira, 14 de outubro de 2011


As vezes parece que as frases vêm prontas. De um folego só, com uma velocidade quase superior a sua consciência. Elas encaixam-se na minha vida. Procuram a terceira pessoa, um personagem em que possam se sustentar e completar um ciclo. Se me deixa vulnerável? Claro. Sou eu. Ao mesmo tempo o corpo descansa tranquilo, feliz, entre folhas amareladas que esperam o dia seguinte. 

28.09.2011

Felicidade - Marcelo Jeneci

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Paciência


De vez em quando olhar é insuportável. De vez em quando a simpatia incomoda. O olhar soa falso, a simpatia soa falsa. E você se perde nos momentos em que se encontram. Ele sabe. Ela sabe. Não fomos feitos pro mesmo espaço. Ela tira a minha paciência, ela tira a minha paz. Ameaça o bom humor de um dia regado a um bom filme, uma boa bebida, uma boa companhia. Procura sustentar a conversa, entra pelas beiradas... invade espaços, ocupa pessoas...

Noite adentro o corpo se contrai, noite adentro o excesso toma espaço. Em silêncio. Entre gritos de um sonho anterior observa os conflitos, aqueles últimos minutos em que fazia sentido confiar. Deixa-os sugarem expectativas,  frustrarem a vantagem da calma, deixa de compreender, deixa a conversa ir rondando a vida de outras pessoas...

Afinal, não importa, não tenho nada com isso, ele pode dizer. Duas pessoas. Três. Duas pessoas. O tempo encontra a medida certa da mudança. É hora de ir, hora do corpo dar espaço aos sentidos, hora de deixar a voz, de deixar os ouvidos perceberem as palavras corretas. Se o sentimento que sufoca transparece já é tarde demais, é tarde pra ter qualquer cuidado, é tarde pra pedir desculpas, é tarde pra falar qualquer coisa.

Os dias avançam e você já não deseja ver, já não importa, nem lembra o som da voz. O telefone se perde da memória, as conversas já rasas desaparecem, e você não sente falta. Os meses avançam e o nome já perde lugar. A paciência é resguardada e uma história recomeça. 

                - Nos conhecemos? 

                - Acho que não. 

                - Faz tanto tempo.

Sussurra o nome ao ouvido. Finge lembrar, finge conhecer. Deixa o silêncio impregnar. Inventa uma desculpa qualquer e vai embora. A noite recomeça. Horas depois a memória carrega um sorriso pra você. Somos diferentes. Continuamos diferentes. O seu silêncio e a minha ausência são finalmente os nossos melhores lugares. Não porque precisem provar, falar... A paciência excessiva só lhes ajudou a corrigir seus próprios caminhos.