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sexta-feira, 30 de setembro de 2011

O silêncio


Hoje é com a sua ausência que é mais fácil conversar. É ela que me dá conforto, é ela que me acompanha durante o dia, excessivamente durante a noite. Foi o silêncio que me fez companhia em todos os momentos. Foi com ele que eu fui dormir. Foi a paz, aquela que sufoca em excesso,  aquela que torna os segundos mais lentos, que começou a me perturbar. O importante é deixar as coisas acontecerem por si, deixar o acaso provar que existe, o deixar decidir o caminho.

Alguém é realmente capaz de acreditar nisso? Deve ser um jeito de evitar as palavras que deviam ser usadas. Alguma interpretação pode ser equivocada nesse caso? Como as pessoas são capazes de ouvir o oposto sempre? Como conseguem conviver consigo mesmas pela manhã? O rosto deixa marcado. Nenhuma sombra encobre. Nenhuma ironia convence. Merecia uma longa e chuvosa tarde de domingo, daquelas em que não se culpa por não sair da cama.

Deixa as palavras serem guiadas pelo som de um instrumento de sopro, se transporta. Já está em uma mesa sozinha sob a fumaça do cigarro, deixando o tempo, infinito naquele momento, em que o som lhe basta. Em alguns lugares não importa o quanto está sozinha. A companhia de notas preenche os espaços entre nós. Ali o corpo descansa. A cabeça viaja. Separam-se. Completam-se. Em lugares diferentes.

As imaginações alheias conversam com você. Como se pudesse entender os olhares de pessoas que nunca viu. Sorri num canto, quando as pessoas sem perceber se tornam vulneráveis, quando a transparência entra em conflito com tudo o que querem parecer.

Somos todos descuidados, as rotas de olhares preenchem um circulo. Estamos todos dentro dele. O acaso nos dispõe, o acaso nos aproxima. Em uma noite o mundo se mostra mais que em cada hora do dia, a luz importa menos aqui. Enquanto as musicas tocam a coragem se ambienta até se livrar, ela impulsiona, ela lhe joga. Esse tipo de coragem quase suicida, essa em que as palavras não se controlam, em que os filtros perdem espaço. O lugar onde assume. O lugar onde transparece. Livre, solta às amarras. Solta os cabelos. Segue o ritmo, acompanha a música. Preenche lacunas. E esquece. 

Quando o silêncio volta a lhe interromper.

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Primeiro encontro, Clarice


Não consigo lembrar quando exatamente, mas não faz tanto tempo quanto gostaria. Não sei quando ela chegou ou quando ouvi alguém citar o seu nome pela primeira vez, talvez em uma daquelas aulas de literatura do colégio, talvez em uma dessas conversas soltas em que se fala sobre o tudo, sobre o nada... 

“Por não estarem distraídos” foram as primeiras palavras que chegaram. Estavam dispersas em um blog de um amigo, um encontro ao acaso depois de tantas sugestões e tentativas.  Ela foi chegando, aos poucos...

Se já não vejo a pessoa que involuntariamente lhe apresentou, tenho encontros diários com as páginas dos seus livros, alguns recém-adquiridos em sebo. Livros que trazem além de tudo os sentimentos de outras pessoas impressos no manuseio das páginas, o bom estado não omite a paixão que se guarda ali. 

Posso imaginar quantos sorrisos, quantos olhares passaram por essas páginas, posso imaginar quantas pessoas apaixonaram-se, em quantas pessoas ela deixou essas marcas, essas mesmas marcas que devem me acompanhar por muito muito tempo, porque nenhum tempo é suficiente para tirá-la de mim. 

O sussurro ao ouvido de quem tenta lhe compreender.  Os encontros solitários. Consigo sentir uma força e uma fragilidade incríveis. Seria muito dizer o quanto me sinto próxima. Seria excesso. Assim como eu, tantas outras pessoas devem guardar seus livros como diários, como reflexos. Quando o amor surge dessa forma, quando a admiração atinge esse ápice já não se pode viver sem (pelo menos nesse sentido). 

E a esse amigo que me trouxe à memória tudo isso, esse que me fez demarcar tão precisamente nosso primeiro encontro... Deixo agradecimentos livres por aqui.  


Por não estarem distraídos (Clarice Lispector)

Havia a levíssima embriaguez de andarem juntos, a alegria como quando se sente a garganta um pouco seca e se vê que por admiração se estava de boca entreaberta: eles respiravam de antemão o ar que estava à frente, e ter esta sede era a própria água deles. Andavam por ruas e ruas falando e rindo, falavam e riam para dar matéria e peso à levíssima embriaguez que era a alegria da sede deles. Por causa de carros e pessoas, às vezes eles se tocavam, e ao toque — a sede é a graça, mas as águas são uma beleza de escuras — e ao toque brilhava o brilho da água deles, a boca ficando um pouco mais seca de admiração. Como eles admiravam estarem juntos!

Até que tudo se transformou em não. Tudo se transformou em não quando eles quiseram essa mesma alegria deles. Então a grande dança dos erros. O cerimonial das palavras desacertadas. Ele procurava e não via, ela não via que ele não vira, ela que estava ali, no entanto. No entanto ele que estava ali. Tudo errou, e havia a grande poeira das ruas, e quanto mais erravam, mais com aspereza queriam, sem um sorriso. Tudo só porque tinham prestado atenção, só porque não estavam bastante distraídos. Só porque, de súbito exigentes e duros, quiseram ter o que já tinham. Tudo porque quiseram dar um nome; porque quiseram ser, eles que eram. Foram então aprender que, não se estando distraído, o telefone não toca, e é preciso sair de casa para que a carta chegue, e quando o telefone finalmente toca, o deserto da espera já cortou os fios. Tudo, tudo por não estarem mais distraídos.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Palavras...


Podemos procurar cada uma das palavras, podemos juntá-las todas. Talvez elas façam sentido, talvez elas estejam, somente, em um processo de busca. Talvez elas tentem cotidianamente atingi-los. Talvez elas busquem um comportamento de correspondência. Talvez seja mais simples escrever em terceira pessoa. Talvez seja menos intimidador. 

As suas imaginações descansam, ali... beirando as paredes de vidas alheias, algumas próximas, outras nem tanto. A poesia, ou a conversa que vai construindo não precisa de uma mirabolante ficção cientifica. Nossas vidas nunca deixaram de ser, em parte, personagens nossos. E, saiba, eu guardo as imagens de histórias que um dia talvez possa contar. 

O pôr-do-sol à beira mar. A conversa sobre livros, sobre arte. Os sentimentos não correspondidos. As pessoas que se afastam. Aquelas das quais sente falta. O vento forte da madrugada batendo rosto. O colo. Os sonhos. As decepções. Um dia podem construir vidas em terceira pessoa. 

Cada linha, ainda que com outro nome, com outra experiência, com outra idade, com outros sonhos... São as minhas escolhas saindo pela ponta dos dedos. Não devem me perguntar o quanto cada palavra é pessoal. Devem se perguntar, o quanto pode não ser? Nem eu saberia, de fato. O quanto foi vivido, o quanto foi imaginado. Será que alguém realmente acha possível mensurar sentimentos a esse ponto? 

Deixo as certezas de lado. Assim como transpareço entre sentimentos estranhos o medo de algumas palavras, medo, justamente das certezas que elas anunciam.  Deixo o amor, esse estático, aguardar por palavras mais maduras (não necessariamente pelo tempo). E vou ao encontro do verbo, o “amar” que flutua... entre lugares, experiências e pessoas.

Olha...


É com cuidado, com todo o cuidado. Ela pensa em cada palavra, planeja o tom de voz, a velocidade com que vai levando a conversa de um assunto trivial a uma confissão. Uma daquelas que estão explicitas. Fica imaginando o que faz alguém ser tão... tão inexplicavelmente... Como alguém é capaz de fingir... De omitir... tão bem. 

Já faz algum tempo que perdeu essa fragilidade. Já faz algum tempo que aprendeu a desocupar o coração, o que for, das paranoias que se infiltram sem perceber. Já faz algum tempo que ela aceitou que para algumas coisas ninguém amadurece o suficiente. Aprendeu a aceitar o ridículo em que algumas situações lhe colocam, aprendeu isso no momento em que não precisou ser melhor ou pior que qualquer outra pessoa. 

***
Quer voltar, seja pra que lugar for. Ela rasteja entre o sonho e a vida real. Fica esperando que alguma parte da vida se concretize. Não pode dizer que alguém a conhece. Não pode dizer que conhece alguém. Ela se limita a ficar parada, quieta num canto tentando observar detalhes à distância. Ela quer se ver no espelho, daqueles pequenos onde só se vê um pequeno recorte do rosto. Será que vale procurar tantos detalhes próprios? Ela quer se ver. Antes que qualquer um a veja.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Tem razão...


Tem razão. Talvez eu deva ter exagerado. Sabe como é, ninguém se acostuma fácil assim. De uma hora pra outra tem que reconfigurar todos esses sentimentos daqui. Não é fácil parecer perfeita, sempre achei que ninguém deveria poder exigir isso. Mas se é o que você quer. 

Vou ser aquela que não liga nas horas erradas, aquela que mantêm a simpatia excessiva cuidadosamente desenhada nos lábios, aquela que deve gostar das mesmas coisas e pessoas que você, aquela que até é capaz de entender o silêncio e a distância sem achar que tem alguma coisa errada ou um vício extremamente constante em mantê-la longe. 

Claro que não, por que eu poderia achar isso, se consigo ser aquele puro estado de compreensão? Eu consigo sim. Consigo ser a pessoa diariamente disponível, a qualquer hora, pra quando decidir voltar. E pode ter certeza vou estar de braços e ouvidos abertos pra ouvir as últimas novidades, ou problemas, ou traumas ou sobre o quanto alguém é capaz de lhe fazer sofrer. Sempre fui assim. 

Claro que eu consigo não elevar o tom de voz, claro que eu consigo ter uma longa conversa com uma amiga comum que manteve o hábito de me ignorar outras vezes, claro que a perfeição não guarda mágoas. Você realmente pode me ver sendo assim, exatamente assim com todas as pessoas do universo. Porque eu, claro, consigo dar um sorriso de bom dia pro cara que tem o hábito de soltar um som alto em caixas de som no ônibus, afinal, nada me incomoda. 

Eu consigo. Não imagino quando não fui assim. Claro que nunca fiz ligações ou falei coisas que não devia. Nunca precisei me arrepender ou pedir desculpas. Claro que nunca senti raiva, claro que sempre sou capaz de compreender os atrasos excessivos, as mensagens monossilábicas, as ligações e mensagens sem retorno, sempre imagino todas as justificativas críveis para isso. E aceito todas elas, ou melhor, acredito nelas.

Não poderia ser diferente, não em um desenho cheio de balões com os desejos e sonhos e comportamentos de outra pessoa. Ao menos não de uma pessoa que exista claro. Talvez em vários e vários anos alguém consiga ser tão evoluído ao ponto de conseguir e querer agradar todo mundo.

Enquanto isso não acontece, tento já não me importar em ser tudo o que tentei não ser em algum momento, sei lá porque. Se não resta um motivo melhor pelo menos tenho o excesso de tédio que uma vida que “tenta” ser perfeita deve ter (pelo menos por enquanto tenho certeza de que nenhuma pode ser de fato). Algumas coisas que acontecem pelo menos nos tranquilizam, parece que afinal, o que tanto queria perto se mostra como um dos caminhos insuportáveis pra mim. Isso ameniza, claro. 

Agora você levanta a cabeça. Se despede e segue em frente.