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quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Eterno

As experiências, as felicidades diárias de uma garota que viajava no colo da avó, que brincava no quintal, tomava banho de cachoeira, fazia panelinhas de barro, construía casinhas de palha, pintava, desenhava. Corria pela cidade, praças, ruas... andava e caia de bicicletas maiores que ela. Sonhava... aqueles sonhos de lugares mágicos, de histórias que tornaram-se lembranças. Essas lembranças eram personificadas em duas pessoas (meus avós), era no quarto deles que eu dormia de rede, era com eles que eu passava, pelo menos duas vezes ao ano, a madrugada viajando ao interior. Era sobre essa cidade que eu escrevia aquelas redações de férias no colégio. Eram essas as histórias que eu tinha pra contar. A felicidade daqueles dias machuca, por já não poder chegar em casa e abraçar um deles. Ainda lembro dos olhos que nos deixaram há dois anos. De vez em quando o amor dói, mais ainda quando percebe que nunca foi capaz de falar. De deixar claro. De gritar todo o orgulho, admiração e amor que sentia (sinto) por ele.  
O que se faz depois de abandonar o lugar mais tranquilo do mundo?  As pedras da igreja. Toda a calma das lápides. Corre pela cidade sem ruas asfaltadas, sem luz em longos trechos. Uma cachoeira sem água, a serra que foi secando ao longo do tempo. Engenhos. Canaviais. Meu vô sentado na calçada, cadeiras de balanço esperando companhia. Sempre chegam. Portas abertas. Casas coloridas, sem muros. Chega a ser fascinante só observar. Feira aos domingos. Véspera de natal. Festa no clube. Missa lotada na igreja da sé. Um mundo. Daqueles difíceis de se ver. As telhas antigas. Retratos pintados. No quintal, o jantar. Vento forte, enche os olhos de poeira. Chega a chorar. Chega perto. Como se todos o conhecessem e conhecem. Pedem benção. A vista gasta mal reconhece. Assim vive. Tão pleno e lúcido. Dias iguais. Um bingo de fim de ano. O sino de cinco em cinco minutos anunciando horários. Que todos seguem. Anoitece, como se cada dia fosse o último. Diz adeus. E sinto saber que nem tudo é eterno. Talvez ali seja. Dentro daqueles limites,  que não precisam de muros. Em que ainda sorriem e desejam bom dia uns pros outros. Onde o dia realmente começa com o cantar do galo.
E quando começa o dia? Talvez às duas da manhã, quando se dá conta que tem algumas estrelas e casas além da janela do ônibus. Sozinhas. Existindo a beira da estrada. Nascendo. entre um sono e outro, uma cidade e outra.
[26.12.2006]

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