Páginas

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Entre o amanhecer e o pôr-do-sol



E quanto ao tempo que nos demos? Pode já ter sido suficiente para acalmar ou diminuir essas nossas incoerências, essas nossas manias, esses nossos excessos divididos. Não sei o quanto deveríamos insistir nesse extremo cuidado com as palavras, seria mais simples se só pudéssemos... falar... se só pudéssemos deixar as aparências de lado. Poderíamos voltar a ser aquilo que vivemos em nossas conversas, mas que, de fato, nunca fomos. 

Tento imaginar em que parte a sinceridade começou a se perder, em que parte nós  tornamos natural machucar um ao outro? Pode haver melhora em nossas conversas  se partirmos do hoje, se apagarmos cada uma das frases, cada insulto, cada ironia presente em cada uma de nossas palavras. Não soubemos ser felizes naquele momento. Talvez um dia o tempo cuide de trazer de volta, pelo menos, o carinho que acreditávamos ter um pelo outro. 

Posso abrir mão de qualquer coisa, pelo menos agora imagino que possa, antes que a situação que me force a decidir torne a aparecer. Talvez tudo o que consiga fazer com o tempo seja repetir incessantemente os erros anteriores, talvez eu não tenha a esperteza ou a vantagem de conseguir escolher pelo caminho que me leva adiante sem passar pela rota daquele sofrimento repetitivo. Posso te encarar outra vez. Posso te ouvir outra vez.  Só não sei se sou capaz de te apagar outra vez.

Acordei mais cedo essa manhã. Quando você decide mudar as coisas esse pode ser um dos primeiros passos, no momento em que você vê o sol surgir pela janela,  observa o movimento das nuvens no céu dando espaço à luz, nesses momentos você acredita que os recomeços e que as manhãs realmente podem trazer coisas melhores. Você acredita, com a inocência de uma criança que aprende a iludir-se achando que as bolhas resistem ao vento. 

Sob dois pontos de vista você aprende a levar a vida. 

Enchendo-se de esperança, avaliando as próprias escolhas, os próprios erros, repetindo pra si mesmo o quanto deseja e é capaz de transformar-se. Enquanto o amanhecer lhe preenche com a ideia de que as novas coisas, historias são possíveis, enquanto a esperança lhe preenche de ar puro.

No fim do dia, no pôr-do-sol você expira. Você, de certa forma, vai soltando seus medos enquanto o escuro preenche o céu, vai deixando a esperança dar lugar à calma, à uma paz que pretende repetir em cada um dos dias. Você esvazia-se de sentimentos deixando o corpo e o que mais for livre pra manhã.

Entre o amanhecer e o pôr-do-sol você se deixa a mercê dos movimentos diários da vida. Você se deixa prisioneira dessas frases que tem medo de ouvir, dessas histórias ... como se elas se infiltrassem como ar, aquele que o sol forte carrega pra dentro do corpo e deixa escapar quando a lua surge.

Ainda não conseguiu... ainda permite... ainda está presa ... No reflexo, no espelho, no caminho... daquela garota que deixava a vida de outros guia-la, naquela que teve a primeira conversa com você, naquela que fingiu estar impregnada de liberdade quando tudo o que fez não era mais nada do que esperavam que ela fizesse. 

Talvez por isso você já não possa reconhecê-la.

2 comentários:

  1. Eu pûde ouvir vc lendo. Voz calma e baixa.
    Muito lindo, amiga!
    bjs

    ResponderExcluir
  2. arquiteto


    (ag)ora
    o cenário do céu
    sem céu e que – as estrelas sabem –
    o crepúsculo urra no tédio

    eu – arquiteto de cárceres
    da memória do cinzazul
    desnudo

    do que fui além distante

    uma e outra
    palavra se es-
    vazia no grito dos olhos
    já fúnebres
    a urdir a poesia

    minha voz
    já amarga (n)os tentáculos
    do tempo e as pedras
    que me consomem

    este poeta
    de ecos desva
    irados
    (ex)pira e (ex)trai
    (d)as rochas duras
    (d)o seu caminho
    polindo as unhas

    há rugas no papel
    entretecido
    onde a poesia a sorver
    labirintos de granito
    explora todo sibilar
    do seu enigma

    a pedra se faz poema
    e verte poesia
    do próprio ventre
    bruta não quase-paraíso

    mas fragmentos
    sobre a língua
    vestida de fantasmas
    como um gueto âmbar
    sem saída

    eu – arquiteto de cárceres
    da memória do cinzazul
    desnudo

    do que fui além distante

    ResponderExcluir